Era uma noite calma, dessas que parecem fim de domingo, com ar de preguiça e cheiro de lasanha requentada do jantar. No final da rua cheia de casas velhas e arquitetura do século passado, uma festa quebrava o silêncio em meio a uma penumbra moldurada pelos raios de lua cheia. O barulho vinha de uma casa noturna, um lugar freqüentado por recém casados e jovens a procura de um par para dançar. Eles chegavam cheios de si, em trajes elegantes e sorrisos fáceis. Procuravam e exalavam felicidade e dispensavam olhares tristonhos e solitários, como os meus.
Para chegar até lá, andei na contra luz de poste em poste na tentativa de não ser identificada, notada e flagrada por quem quer que fosse. Posicionei-me próximo a pilastra de entrada coberta pela escuridão da luminária quebrada, instalada na entrada. Observei bem os convidados, me olhei na pouca luz e lembrei da minha roupa composta por jeans surrado, camiseta branca e tênis de multinacional. E se eu entrasse? Seria um ato indelicado? Desafiador? Tirei uma nota de Real amassada em um dos bolsos e antes que o segurança fizesse qualquer pergunta entrei sem me ater a nada.
No ambiente, o som era ensurdecedor. Moças prendadas e recatadas se misturavam as jovens moderninhas dançando twist em pleno século XXI. Entre os rapazes, olhares interessados em noites de amor e abraços que emolduravam cinturas femininas pela pista de dança. Embriagados pelo ar, pela luz e (é claro!) pelo álcool, sorrisos marotos e risadas altas brotavam com a facilidade de um gozo em cena de filme pornô. A felicidade reinava e a minha presença fria e de olhar cabisbaixo não incomodava ninguém.
Na tentativa de saber o que afinal de contas eu fazia naquela festa pagã (e sem trajes apropriados), olhei em outras direções a procura de um consolo ou uma cena que me provocasse uma risada. Não encontrei. Passeei minha retina entreaberta por todos os cantos e não vi nada que chamasse atenção. Sentei-me em uma cadeira vazia de uma mesa deslocada posicionada no fundo do salão. Fumei meu último cigarro e lamentei minha existência.
No último trago, observei um grupo a minha frente composto por rapazes com ternos de luxo e moças com vestidos coloridos e brilhantes. Entre eles, um olhar faceiro e andar latino chamaram minha atenção pela desenvoltura e naturalidade. Vestido com uma camisa escura e um paletó cinza sobreposto a uma gravata listrada, o homem cheio de si incomodava todas as meninas chamando-as para dançar. De repente... sorrio.
Dançando abraçado a um par com um vestido azul, ele observa todos os lados. De repente, o homem me flagra com as pupilas dilatadas e sorriso no rosto. O faceiro faz rodopios, reforça o olhar e solta a moça me convidando para uma valsa que a banda começa a tocar. Envergonhada recuso o primeiro pedido, mas não resisto as suas mãos, do tamanho das minhas, me chamando para tomar um drinque no bar.
Subimos um andar acima do salão onde era possível ver o reflexo da lua e ouvir conversas de dois charlatões disputando uma companhia pra o próximo jantar. Entre beijos molhados e carinhos amortizados, descubro uma voz com cheiro e gosto de doce-de-leite. Sinto-me sinestésica e vejo cores a cada palavra bonita e promessas de encontros posteriores. Resistente ao charme e a experiência daquele “moreno tropical” de estatura mediana, vou negando pedidos e ao mesmo tempo estendendo a noite até o dia clarear.
Na manhã seguinte, acordo com cheiro de álcool destilado. Com a mesma calça jeans do dia anterior, observo sobre meu corpo um edredom desconhecido. Ao redor, paredes assimétricas estampam uma raquete de tênis e folhas de papel coloridas - brindes de um disco de vinil. Ao meu lado, um corpo estirado em cima de colchões sobrepostos não se intimida com a claridade solar vinda da janela. Tento me levantar sem fazer barulho e ouço de novo a voz sonolenta com cheiro de doce-de-leite. “Fica!”
Sabendo o fim daquela história de intrigas e sentimentos desfavorecidos, lavo meu rosto a procura da realidade. Beijo-lhe a boca na busca pelos fragmentos das fantasias ainda não sentenciadas. Dou o último abraço já apagando as lembranças. No caminho de volta, parto sem olhar para trás e repito silenciosamente em mente um mantra conhecido: apenas um olhar na multidão... um olhar na multidão... um olhar na multidão...
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