Confesso! Sem a necessidade de tortura ou penitências. Declaro abertamente aos meus inimigos a pior das minhas heresias. Amado deus, não me mande para o inferno na hora do juízo final. Sim, eu prefiro os feios. Seres estranhos, rejeitados, desengonçados, fracos, pálidos e falidos. Rostos assimétricos, pancinhas de cerveja, sandálias com o solado de cor branca e estampa surrada. Cabelos sem corte, barba por fazer, cheiro de álcool, olhar entorpecente. O andar de malandro, a pose desdenhada e madeixas despenteadas. Não quero juiz dando sentenças. Gosto mesmo e admito que as vezes é difícil disfarçar.
Cultivo por esses seres uma forma incomum de amor platônico. Tenho fome por modelos estranhos sem qualquer molde de estética corporal aprovada pela ABNT. Fico muda, boquiaberta, esparramada no piso como gato pedindo atenção. Pupilas dilatadas, ombros contraídos, olhar cabisbaixo, vergonhosa, mansa, manhosa. Minhas náuseas e olhar psicopata nem mesmo Freud consegue explicar. E se existe penitência para um pecado tão delicioso e cruel realizo sem reclamar mantras eternos só pra continuar a pecar.
Minha rendição é fatal, mas não para qualquer feio. Não pode ser fraco. Não preciso dos príncipes encantados. Prefiro os bobos da corte, sapos e patinhos feios. Palhaços sarcásticos com poemas de vingança verbal. Flores nos braços, roubadas e embrulhadas em papel jornal. Tem que ser um bom cozinheiro, um bom bebedor de líquidos entorpecentes, apreciador de romances policiais, contador de mentiras bobas – não necessariamente nessa mesma ordem e com alternativas também negociáveis.
Sofrerei pelo resto da vida dessa doença do “olhar torto” – o estrabismo da feiúra. Não me culpem amigos, nem digam que mereço coisa melhor porque não quero. É maldição de bruxa boa ou zica de fada má. É exatamente por eles que meu coração flerta e faz denúncias da minha sinceridade misturada com cantadas clichês. Quero gastar a vida desse modo e encontrar charme em imagens distorcidas nas mentes alienadas.
Eu sei que para Marinlyn Monroe “beleza é fundamental”, mas não é para apreciar é sim comparar. Amor e beleza não merecem discussão. Dois substantivos abstratos no universo das subjetividades. Vagos mas não rasos. Macios, delicados e relaxantes como um banho de chuva no calor do verão. E por falar em verão, quando vai chegar? Quero a luz do sol para destacar meus quadros expressionistas, pintados com a inspiração dos sorrisos que emoldurei dos feios que passaram ultimamente por aqui.